Percursos escolares de pessoas sem-abrigo
Bastos, Maria Vânia Cardoso de Lima
Tese
Tese de Doutoramento em Psicologia - Especialidade de Psicologia da Educação
Os trabalhos sobre pessoas sem-abrigo evidenciam que, ainda que com excepções, as habilitações académicas destes sujeitos são normalmente baixas. Deste modo, os programas de intervenção educativos, em articulação com outras estratégias, nomeadamente políticas de emprego, habitação, saúde física e mental, são apontados como uma forma importante de desenvolvimento de empowerment e, de forma mais ou menos directa, como uma via de inserção social. Porem, os resultados modestos destes programas aconselham a que se explorem as perspectivas passadas e actuais dos sujeitos a respeito de escola, como forma de procurar perceber as baixas taxas de adesão e as desistências precoces.
A recolha de dados do nosso estudo, a partir de 25 entrevistas realizadas num centro de acolhimento da cidade do Porto para pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo, tem uma natureza fundamentalmente qualitativa, tendo seguido a análise de conteúdo temática de Bardin (2000). A análise foi realizada com recurso a grelha construída e validada para o efeito. Genericamente, os percursos escolares revistos são marcados por insucesso e abandono escolar precoce, absentismo e problemas de comportamento. Os participantes justificam esses trajectos com factores de influência pessoal e familiar, colocando em segundo plano as condicionantes organizacionais (qualidade da escola, professores, etc.)
As percepções sobre os percursos escolares são caracterizadas por marcada desvalorização da escola conduzindo à interrupção por necessidade ou por pressão externa. As referências ao trabalho infantil enquanto estratégia de sobrevivência em favor da economia familiar assumem um papel de relevo nas percepções dos nossos participantes mais velhos. Contudo, na idade adulta, parece ter ocorrido uma mudança nas apreciações acerca escola: de instituição não desejada ou que, por imperativos externos, teve que ser abandonada, parece ter passado a ser encarada como instituição formadora de adultos, como um elemento positivo, constituindo porventura uma mais-valia para as trajetórias futuras dos sujeitos. Todavia, tal não parece suficiente para que, na actualidade, estes adiram à formação de adultos ou que sejam persistentes na frequência dos cursos, o que parece indicar que as percepções positivas acerca das instituições não são suficiente para alterar comportamentos que, em larga medida, evidenciam percepções enraizadas de incompetência/incapacidade e de desânimo.
The works involving homeless people demonstrate that, although with some exceptions, the academic qualifications of these individuals are usually low. Thus, education intervention programs, together with other strategies, specifically employment, housing, and physical and mental health policies, are mentioned as an important way to develop empowerment and, more or less directly, as a means of social inclusion. Nevertheless, the modest results of such programs make it advisable to explore the past and current perspectives on the individuals regarding education, as to try to understand the low rates of adhesion and precocious dropout rates.
The collection of data in this study, performed through 25 interviews conducted in a shelter in the city of Porto to homeless people, is essentially qualitative, according to Bardin’s thematic content analysis (2000). The analysis was supported by a grid specifically built and validated for this purpose. Broadly speaking, the school careers under analysis are marked by failure, underachievement, early dropout, absenteeism and behavioural issues. The respondent’s justified these careers by personal and family influence, deemphasizing the organizational restraints (such as school quality, teachers, etc.).
The perceptions of school careers are characterized by a strong depreciation of school, which lead to the interruption, either by necessity or external pressure. References to child labour as a surviving mechanism in favour of the family economy assume a prominent role in the perceptions of the older participants. Notwithstanding, during adult life, there is a shift in the perceptions regarding school: from an unwanted institution or, for external reasons, an institution that had to be abandoned, it becomes an educational institution for adults, a positive element that could well represent an added value for the individuals’ future paths.
Nevertheless, it does not appear to be sufficient that, in the current state of affairs, the individuals adhere to adult vocational training or to persistently attend courses, which seems to indicate that the positive perceptions regarding the institutions fail to be enough to shift behaviours, which, broadly speaking, emphasize rooted perceptions of incompetence/inability and dismay.