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Qualidade da experiência subjectiva na vida quotidiana : experiências óptimas/flow, lazer e consumo de substâncias na adolescência

Qualidade da experiência subjectiva na vida quotidiana : experiências óptimas/flow, lazer e consumo de substâncias na adolescência

Fonte, Carla Alexandra Martins da

| 2011 | URI

Tese

Tese de doutoramento em Psicologia
(área de especialização em Psicologia Social)
Tem ocorrido, no plano internacional, um desenvolvimento crescente de investigação
aprofundada acerca da vida diária dos indivíduos, incluindo o que fazem, onde e com quem estão,
possibilitando a análise dos estados afectivos, cognitivos e motivacionais das suas experiências, tal
como ocorrem nos vários contextos de vida. Estes estudos estão conceptualmente ligados aos
domínios da psicologia positiva e da psicologia social desenvolvimental. De acordo com a
perspectiva da psicologia positiva, a psicologia, não é apenas o estudo da doença, fraqueza ou
dano, é também o estudo das forças e potencialidades humanas, onde se insere o estudo da
qualidade da experiência subjectiva na vida diária, concretamente das experiências óptimas/flow
(Csikszentmihalyi, 2009, 2011; Delle Fave & Massimini, 2000; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).
Esta incursão pelo estudo da vida diária, do conhecimento do comportamento do indivíduo em
relação aos seus múltiplos contextos de vida associa-se conceptualmente à psicologia social
desenvolvimental (Bugenthal, 2006; Freire, 1999; Eisenberg & Sadovsky, 2006). O conhecimento
dos contextos em que as experiências ocorrem tem-se revelado um dado importante no estudo do
desenvolvimento do adolescente, no sentido do risco ou do desenvolvimento positivo.
Concretamente, o contexto de lazer apresenta-se na literatura como um dos contextos que contribui
para desencadear experiências de vida positivas e tradutoras de bem-estar individual e social
(Freire, 2006a; Larson, 2000, 2006; Stebbins, 1997a; 2001, 2009), mas onde também os
comportamentos de risco podem surgir, especificamente o consumo de substâncias lícitas e ilícitas
(Rojek, 2005; Shinew & Parry, 2005; Stebbins, 1997b). Neste sentido, o lazer tem emergido como
um tópico privilegiado na investigação da qualidade da experiência subjectiva, na tentativa de
conhecer em que medida este contexto se apresenta como uma variável compreensiva na
emergência de dois trajectos possíveis na adolescência: um de risco, onde o consumo de
substâncias está presente, e um outro, de desenvolvimento positivo.
Neste âmbito, este trabalho apresenta dois objectivos gerais: em primeiro lugar, caracterizar
o quotidiano dos adolescentes consumidores e não consumidores de substâncias nas dimensões
externas/contextuais, com destaque para o contexto de lazer, procurando identificar o que os jovens
fazem no seu dia-a-dia, com quem estão e onde estão. Em segundo lugar, conhecer as dimensões
internas da experiência subjectiva de consumidores e não consumidores de substâncias, de acordo
com os canais experienciais do Experience Fluctuation Model (EFM), onde está inserida a análise
das experiências óptimas/flow e a análise dos estados emocionais, cognitivos e motivacionais na
vida diária em geral e, no lazer, em particular.
A investigação apresentada, organizada em três estudos empíricos, foi realizada com recurso
ao Experience Sampling Method (ESM) (Hektner; Schmidt & Csikszentmihalyi, 2007), junto de 143
adolescentes (65 rapazes e 78 raparigas), estudantes do ensino secundário provenientes de seis
cidades de Portugal, com uma média de idades de 16.76 (SD=1.394). Esta metodologia consiste
em providenciar a cada indivíduo um beeper electrónico e um bloco de questionários (designado de
Experience Sampling Form - ESF). Os beepers são activados cerca de oito vezes por dia (entre as 8.00 horas e as 22.00 horas), de acordo com uma escala aleatória, ao longo de uma semana, o
que produziu um total 4635 momentos avaliados da vida diária para a amostra total. Cada vez que
o beeper emite um sinal, o indivíduo, procede ao preenchimento do ESF. Para avaliar a prevalência
e padrões de consumo de substâncias lícitas e ilícitas os participantes no final da semana do ESM
responderam ao Questionário Avaliação dos Padrões e Prevalências dos Consumos (Negreiros,
2001).
Os resultados indicaram diferenças estatisticamente significativas entre os adolescentes não
consumidores e os dois grupos de adolescentes consumidores (uns só de álcool e outros de
tabaco/álcool), em termos das dimensões externas da experiência subjectiva na vida diária e no
lazer em particular. Verifica-se, em termos gerais, que os consumidores dedicam mais tempo a
actividades de lazer passivo, frequentam mais lugares públicos e convivem mais com os colegas
e/ou professores. Constata-se ainda que, os não consumidores estão mais tempo ao longo da
semana em casa própria e envolvem-se em mais actividades de leitura (não escolar) durante o seu
lazer. Globalmente, em relação às dimensões internas da experiência subjectiva verificamos que, os
adolescentes consumidores, percepcionam como existindo no seu quotidiano e concretamente no
lazer, desafios externos elevados ou médios balanceados com percepção de baixas competências
(ansiedade e preocupação), ao passo que nos não consumidores ocorre a percepção de baixos
desafios e baixas competências (apatia). Nos momentos de experiência óptima ao longo da semana,
emerge um paradoxo no grupo de consumidores de álcool, que apresentam níveis elevados em
termos cognitivos, no entanto, em termos motivacionais preferiam estar a realizar outra actividade,
com outra pessoa e em outro local. Genericamente, os dados indicam que o grupo de não
consumidores e o de consumidores de álcool têm globalmente uma experiência mais positiva
durante o seu tempo de lazer (quer em termos de maior afecto positivo e menor afecto negativo,
performance cognitiva e mais experiência óptima/flow) do que os consumidores de tabaco/álcool.
Os resultados obtidos são discutidos à luz da literatura e proporcionou sugerimos, nas conclusões
deste trabalho, algumas implicações práticas, no âmbito da prevenção dos comportamentos de
risco e do desenvolvimento positivo na adolescência.
There has been, at international level, an increasing development of research about
the daily life of individuals, studying what they do, where spend their time and with whom they are,
allowing the analysis of affective, cognitive and motivational states of the experiences, as they occur
in daily life contexts. These studies are conceptually related to the domains of positive and
developmental social psychology. According to the perspective of positive psychology, psychology is
not only the study of disease, weakness or damage, it is also the study of human strengths and
competences, in which the study of the quality of subjective experience in daily life, specifically the
optimal experience/flow, is include (Csikszentmihalyi, 2009, 2011; Delle Fave & Massimini, 2000;
Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). The study of daily life and the knowledge of individual behavior
in relation to their multiple contexts of life, is conceptually related with developmental social
psychology (Bugenthal, 2006; Freire, 1999; Eisenberg & Sadovsky, 2006).
The knowledge of the contexts in which experiences occur has been identified as an important
factor in the study of adolescent development, in the sense of risk or positive development.
Specifically, leisure time is presented in the literature as one of the contexts that contributes to the
fostering of positive life experiences that and in turn to individual and social well-being (Freire,
2006a; Larson, 2000, 2006; Stebbins, 1997a; 2001, 2009), but also where risk behaviors, such as
drug use, can happen (Rojek, 2005; Shinew & Parry, 2005; Stebbins, 1997b). In this sense, leisure
has emerged as a main issue into the research into the quality of subjective experience, in order to
understand whether this context, can explain the emergence of two different trajectories through
adolescence: a risky one, in which the drug use is included, and, another one, that of positive
development.
From this perspective, this work has two main objectives. First, to characterize adolescents’
daily life, comparing drug users and non users, in terms of the external dimension of subjective
experience, with a focus on the context of leisure context, analyzing what they do, where they are
and with whom. Second, to know the internal dimensions of subjective experience, in adolescents
drug users and non users, accordingly to the experience fluctuation model, where the study of
optimal experiences/flow is include, and also in terms of affective, cognitive and motivational
variables in daily life and in leisure time.
The investigation was organized into three studies and data were collected by means of the
Experience Sampling Method (ESM) (Hektner; Schmidt & Csikszentmihalyi, 2007). The participants
were 143 adolescent high school students (65 males and 78 females), with a mean age of 16.76
(SD=1.394) years old, from six Portuguese cities. In the ESM procedure, for one week, each
participant was given an electronic pager and a booklet of experience sampling forms (ESFs).
Electronic pages were programmed to beep randomly about 6–8 times a day from 8.00 am to
10.00 pm. When beeped, participants filled out a form containing a standard set of open-ended
questions and Likert-type scales (0-12), with a debriefing at the end of the week. Altogether, the sample completed 4635 valid forms (beeped moments). To evaluate alcohol and tobacco use a self
report questionnaire was administrated (Negreiros, 2001).
The results showed statistically significant differences between the non users and the two
groups of users (alcohol and tobacco/alcohol) in terms of external dimensions of subjective
experience in daily life and in leisure time. Generally, drug users are more involve in passive leisure
activities, spend more time in public places and are more often with teachers and colleagues. It was
also noted that the non users spend more time at home and engage in more reading activities (not
school) during leisure time. The results indicate that, for the internal dimensions of subjective
experience in daily life and leisure time, the groups of users report higher (or on average) external
challenges balanced with lower skills (anxiety and worry). The non users perceived lower challenges
and skills (apathy). When alcohol users experience flow a paradox emerge: they have higher values
in the cognitive dimension, but in terms of motivational components prefer doing other activities,
being in another place and with another person. As a general consideration, results emphasize that
the non users and the alcohol users have a more positive experience in leisure (in terms of positive
emotion, negative emotion, cognitive performance and optimal experiences), compared to the
tobacco/alcohol group. Results are discussed concerning the theoretical foundations of this work,
and some practical implications in terms of promotion of positive development and prevention of
health risk behaviors in adolescence are suggested.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)

Publicação

Ano de Publicação: 2011