Processamento neural de faces em crianças institucionalizadas com e sem perturbação de vinculação: um estudo de potenciais evocados
Fernandes, Natália Lisandra Santos
Thesis
Dissertação de mestrado integrado em Psicologia (área de especialização de Psicologia Clínica)
Nos últimos anos, diversos estudos de potenciais evocados (em inglês, Event Related Potentials – ERPs)
mostraram que, desde idades muito precoces, as crianças com desenvolvimento típico são capazes de
diferenciar a face da mãe de faces estranhas (Carver et al., 2003; de Haan & Nelson, 1997, 1999). No entanto,
apenas dois estudos procuraram compreender os efeitos da institucionalização - uma experiência relacional
atípica com efeitos sócio-emocionais adversos - no processamento neural da familiaridade de faces (Moulson,
Westerlund, Fox, Zeanah, & Nelson, 2009; Parker & Nelson, 2005). Estes autores verificaram que, quer crianças
institucionalizadas quer crianças não institucionalizadas eram capazes de discriminar faces familiares de faces
não familiares, ainda que se constatasse hipoativação cortical no grupo de crianças institucionalizadas.
Até à atualidade nenhum estudo com crianças institucionalizadas avaliou os padrões de atividade
neural em função da familiaridade de faces considerando a presença das perturbações de vinculação. Neste
sentido, este estudo pretende analisar o efeito da familiaridade de faces no processamento neural em: (1)
crianças inseridas em contexto institucional; (2) crianças institucionalizadas com e sem perturbação de
vinculação; (3) crianças institucionalizadas com perturbação de vinculação do tipo inibido e do tipo desinibido.
Foram recolhidos os ERPs de 25 crianças, com idades compreendidas entre os 36 e os 70 meses (M =
55.96; DP = 11.43) e aplicada a Disturbances of Attachment Interview (DAI; Smyke & Zeanah, 1999) aos seus
respetivos prestadores de cuidados. Onze crianças (44%) foram diagnosticadas com perturbação de vinculação
(das quais sete (28%) do tipo inibido, três (12%) do tipo desinibido e uma (4%) de ambos os tipos), enquanto as
restantes 14 (56%) não preencheram os critérios de diagnóstico.
Os resultados obtidos sugerem que: a) crianças institucionalizadas revelam padrões de ativação neural
atípicos, caracterizados pela relativa falta de discriminação ao nível da familiaridade de faces, que divergem dos
dados previamente observados neste grupo de risco; b) crianças institucionalizadas com e sem perturbação de
vinculação não se distinguem na forma como processam faces familiares e não familiares, observando-se,
contudo, maior tendência para hipoativação cortical em crianças com perturbação de vinculação; c) a
experiência de institucionalização parece ter maior impacto no processamento neural de faces em crianças com
perturbação de vinculação do tipo desinibido1.
Em geral, os dados obtidos sugerem que o processamento de informação social tende a estar
sobretudo comprometido em crianças institucionalizadas com comportamentos perturbados de vinculação.
In recent years, studies using event-related potential techniques (ERPs) have shown that, from early
ages, typically developing children are able to discriminate their mothers’ faces from strangers’ faces (Carver et
al., 2003; Dawson et al., 2002; de Haan & Nelson, 1997, 1999). Contrastingly, only two studies have sought to
understand the effects of institutional rearing - an atypical relational experience with adverse socio-emotional
effects - on the neural processing of face familiarity (Moulson, Westerlund, Fox, Zeanah, & Nelson, 2009; Parker
& Nelson, 2005). These authors reported that both never-institutionalized children and children living in
institutions were able to discriminate familiar from unfamiliar faces. Nevertheless, despite similar patterns, there
was a cortical hypoarousal in the institutionalized group.
To date, no study with institutionalized children analyzed the patterns of neural processing of face
familiarity considering the presence of attachment disorders. Thus, the current study aims to examine the effects
of face familiarity on the neural processing of: (1) children living in institutionalized settings; (2) institutionalized
children with and without attachment disorder; (3) institutionalized children with inhibited and disinhibited types
of attachment disorder.
ERP data was collected for 25 children, aged between 36 and 70 months (M = 55.96; SD = 11.43). The
Disturbances of Attachment Interview (DAI; Smyke & Zeanah, 1999) was administered to the caregiver of each
child. Eleven children (44%) were diagnosed with an attachment disorder (seven (28%) with the inhibited type,
three (12%) with the disinhibited type and one (4%) with both types), while the remaining 14 children (56%) did
not meet this diagnosis.
The results suggest that: a) institutionalized children show atypical patterns of neural activation,
characterized by the relative lack of discrimination of face familiarity that differs from data previously observed in
this risk group; b) children with and without attachment disorders do not differ in how they process familiar and
unfamiliar faces; however, a tendency for cortical hypoarousal was discernible in the children with attachment
disorder; c) the experience of institutionalization appears to have a greater impact on neural processing of faces
in children with disinhibited type of attachment disorder2.
In general, the data suggest that processing of social information tends to be more compromised in
institutionalized children with disturbed attachment behaviors.